quinta-feira, 13 de outubro de 2011

JUSTINE

Justine: E aí, Fausto entregarás hoje tua alma?

Fausto: Alma?  Já não a tenho. Por ventura o que faremos hoje?

 Justine: Adequarmos ao que nossa alma nos pede é preciso. Fugir mais do que de pressa dos desígnios de Sade. Ele me tortura e me subjuga embora detenha a verdade sobre nossos verdadeiros anseios.

 Fausto: Anseios? Pobre Justine. Nada conheces da mortal fragilidade humana. Falas de mim e tu?


Justine? Eu? Será que existo? Como será meu corpo? Se nem sei se corpo tenho como saber do resto?

 Fausto: Melhor ter um corpo e ser dono dele do que ter uma alma que não se conhece e nem mesmo sabemos existir.

 Justine: Pobre  Fausto estamos no mesmo caminho, não nos pertencemos.


Fausto: Como? Eu sou dono de mim.

 Justine: Possuído pelos desejos humanos? Pela angústia de nunca satisfazê-los?

 Fausto: Fale-me mais um pouco de tuas aventuras com Sade. Como é ser aviltada, possuída pelos desejos de um humano que só pensa em maltratar o corpo do outro para obter o prazer.
 
Justine: Posso te confessar? Um lado meu até que gostou ser desejada mesmo que ultrajada. Pelo menos conheci os maiores prazeres da carne enquanto minha alma flanava desejando àquele que nunca me conheceu.


Fausto: Não acredito no que falas. Todos tivemos pena de ti até então. E gozastes os prazeres da carne enquanto amavas a um outro?


Justine: Não te esqueças que somos apenas fruto da imaginação de nossos senhores. Frutos dos desejos deles confessados apenas entre linhas. Assim sendo, fora dos seus escritos nossas almas podem percorrer os caminhos que quiserem...


Fausto: Ah, meu deus. Vendi minha alma e agora sou prisioneiro e tu libertas?

 Justine; Como ousas chamar o nome daquele a quem renegaste?


Fausto: Como posso libertar-me?


Justine; Não me perguntes que já não ouso te responder. Talvez possas seguir-me pelos caminhos das alcovas que conheci e aprender algo.

 Fausto: Tentei não ser escravo dos desígnios humanos e me convidas para neles ficar?
 

Justine: Que queres que te digas se ambos não conhecemos o amor?  Pelo menos ele finge que nos tira deste mar louco de dia a dia, rotina. Ele nos impulsiona por alguns tempos a flutuarmos nas nuvens e depois...


Fausto: Depois? Temos mais uma vez que nos depararmos com nosso eu? Com nosso eu solitário e imperfeito?

 Justine: Que tal irmos desfrutar um pouquinho de prazer e parar com estas elucubrações que não levam a nada... Vendeste tua alma para delas ficar livre. E continuas? Até quando?

 Fausto: Deixe de ser sádica e me lembrar a cada momento que tenho uma índole demoníaca.



Justine: Ah! Ah! Ah. Sofres? Como gosto de te ver sofrer... Aprendi com meu mestre, Sade. Sofras, menino, sofras...



Fausto: Preciso derramar quantas lágrimas para me deixares em paz? 

 Justine: Não sou eu quem não te deixo é tua falta de alma!!!! RS, RS


Fausto: Pare com isto, fugirei!

 Justine: Ótimo, vamos para a alcova que te ensinarei os maiores prazeres do corpo e as maiores perversidades que um humano pode alcançar, não foi devido a isto que vendeste tua alma?

 Fausto: Não, não e não. Foi para me livrar dos conflitos humanos.

 Justine: Conseguiste?


Fausto; E tu? Conseguiste?

 Justine: O quê? Parar de sofrer, de esperar?

  

------------------------------------------------------------------------------------------


Neste meio tempo Goethe e Sade acordam e furiosos interrompem o debate e tentam inutilmente colocá-los dentro das páginas dos livros... Fausto e Justine precisam continuar confinados nos seus desígnios e no que planejaram para eles.
 

FAUSTO: Justine o que faremos agora, eles, eles estão nos olhando...


JUSTINE : Deixe-os. Agora, nos pertencemos. Decides ou não ir para a alcova?
 

FAUSTO: Justine, achas que errei, vendendo minha alma?

 JUSTINE : Quantos não o fazem? Foste apenas ingênuo ao anunciar ao mundo que o faria. Mas, sincero.

 FAUSTO: Como assim? Não te entendo. Errei ou não?


JUSTINE : Pare com isto. Nos humanos não existe certo ou errado. Percebestes quantos já venderam sua alma em nome de Deus promovendo guerras santas?
 

FAUSTO: Mas, eles acreditam que seu deus é melhor que o do outro.


JUSTINE : Realmente acreditas nisto? Eles querem sabem o que? O Poder?


FAUSTO: O Poder?!
 

JUSTINE : Sim, o Poder. Não foi para isto que vendestes tua alma? Ah, como és complicado... Vamos ou não?
 

FAUSTO: Para onde?


JUSTINE : Para a alcova...


FAUSTO: Não são os homens que convidam as mulheres? Queres me seduzir? Atualmente vocês mulheres perderam a feminilidade ocupando o lugar dos homens. Trabalham nos seus espaços e não contentes querem nos manipular.


JUSTINE : Nem sei mais se sou feminina ou não ao ceder aos caprichos de um senhor. Isto é ser feminina ou submissa? Não desejo mais ser submissa. Apenas isto. Se achas que quero te seduzir o que posso fazer?  Não posso controlar seu medo diante o desconhecido. Isto é tarefa tua...
 

FAUSTO: Medo, eu? Homens não têm medo. São corajosos! Desde que o mundo é mundo vocês mulheres é que nos seduziram...


JUSTINE : Com mil diabos. Sempre a velha estória de Adão e Eva. Foi Adão quem quis comer a maçã. Porque ela era doce, vermelha, apetitosa e, e... Tesuda... rs,rs,



FAUSTO: Não invoque seu santo nome em vão!
 

JUSTINE : Santo nome?  Desaprendestes até a ter humor...   Não sou tesuda?

  

FAUSTO: meu Senhor afirmou:

        Você tem subestimado o diabo

        Ainda não posso persuardir-me

        De que um sujeito todo enchapelado

        Tenha de ser alguma coisa 

                                     (Goethe)
 

JUSTINE : (Cai em risadas...) Quá, quá, quá. Quantos senhores tens? Dois? Um humano e outro que? ! Ambos te escravizam a ser humano...
 

FAUSTO: Não compreendo por que ris? Por que sofro?


JUSTINE : Não. Porque és um masoquista e adoras sofrer e dele não quer sair. E, eu pensei que a masoquista fosse eu. Pobre Justine que no fosso de suas exasperações gritou mais do que nunca para que a libertassem. Quando na realidade estamos escravos dos nossos desejos...
 

FAUSTO: Simples, Justine. Venda a tua alma...


JUSTINE : Vender minha alma?  Jamais. Já vendi meu corpo. Minha alma está liberta. Consegues alcançá- la?


FAUSTO: És indomável. Mas, como readquirir minha alma?


JUSTINE : Foge à minha alçada. Precisas dialogar com ele e saber quanto ele te punirá para devolvê-la. Mas, se eu fosse tu, fugiria comigo para a alcova e recuperaríamos alguns segredos, beijos e quem sabe o que?


FAUSTO: És a serpente?

 JUSTINE : Mania de perseguição... O que faço contigo? Não queres ir? Ok, mas não fiques a te lamuriar que ninguém te ama, ninguém te quer e a vida passa... Sabe, sou a serpente sim. Enroscarei no teu pescoço e te enforcarei... Há, há, há


FAUSTO: Do que ris?
 

JUSTINE : Fui sincera. Se me mostras teu lado masoquista sou sádica. Enforcar-te-ei numa noite de lua cheia...
 

FAUSTO: Mas, hoje é noite de lua cheia!


JUSTINE : Cuidado comigo, não sou lobisomem porque mulher, mas te engolirei!


FAUSTO: (Em silêncio faz uma súplica ao seu senhor que desaparece. Mais uma vez ele faz outra súplica e... O silêncio se instala. De repente se enche de orgulho e para Justine: )

 _ Não irei para a alcova contigo. Mil mulheres existem para que eu me deleite e que me possam dar prazer. Fique na tua, talvez algum dia a gente se esbarre.


JUSTINE : _ Falas sério?  Com mulheres mil obterás prazer já que vendestes tua alma. Mas, elas agüentarão tua angústia? Mas, vá, vá em paz que em algum dia nos esbarraremos em algum canto onde teu diabo nos conduzirá...
 

Um longo silêncio perfura Justine, que fica a olhar a lua cheia e a sentir saudades das confusões de outrora. Pelo menos não tinha tempo para pensar. Fausto conseguira, sem saber, fazer com que uma grande tristeza olhasse para ela. Para onde ir? Este negócio de liberdade com mil escolhas era muito difícil para ela que jamais as tivera. Só conhecia o mundo da alcova e suas imundícies. Agora na beira da praia, resolvera molhar os pés. A lua refletia no mar. Esta lua não a acalmava, só conseguia devorá-la. Cansada, deitou na areia e por fim adormeceu. Desejou ser a bela adormecida . Um dia seu príncipe com um beijo iria  acordá-la.





FIM

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O Ofício do tempo


Uma página de revista arrancada e guardada para procurar o livro nela citado um dia. O dia se perde na correria de outros dias. A Voz e o Tempo de Roberto Gambini. Junguiano. Hoje, neste dia em que o tempo parece estar desanimado reencontro a página retirada de uma Claudia. -  outubro 2008.



O ofício. Este ofício de escuta e retorno e de escutas de: silêncios, e ausências, de posturas corporais, do não dito. Embrenha-se pelo inconsciente. Não apenas de seus clientes, mas principalmente do próprio.



Ofício feito com amor. Totalmente individual. Sem receitas prontas nem conselhos plastificados.



E do outro lado da página, citações conhecidas. Deixo aqui uma de Renato Russo.



“ Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar

Que tudo era para sempre, sem saber que o pra sempre acaba?


domingo, 2 de outubro de 2011

Borboletas Negras

O filme? No início já podemos saber como funciona a mente da poetisa sul-africana Ingrid Jonker. Inundada por emoções, cercadas por obstáculos e rochedos. O mar bate forte, assim como sua mente.



Afogando-se no mar, Jack Cope a salva. Ele exausto, ela sempre cheia de energia. Ele tenta durante o resto da vida tirá-la da correnteza, pois ela sempre  se jogando ao mar de suas emoções e  gritando angustiada para que lhe tirem do turbilhão que esgota a todos.... Sensível e com problemas mentais herdados de sua mãe possui um pai que não pode compreendê-la, nem aceitar sua filosofia de liberdade e igualdade. Ele integra o apartheid. Assim, ela é uma estranha no ninho perseguindo o amor paterno e sofrendo com a discriminação dos negros.



Sua luta não foi em vão. Mandela em seu discurso cita um de seus poemas escritos após ela ter presenciado a morte de um menino negro.